Chegou mais uma BDletter cheia de dados e dicas na sua caixa de entrada! Nesta edição, você vai conferir uma análise relacionando os dados de clima com a recente edipemia de dengue no Brasil. Falamos também com um especialista no assunto para entender esse cenário e, é claro, trouxemos várias dicas legais para facilitar seu trabalho e pesquisa com dados públicos. Já pega o cafezinho e boa leitura ☕
📊 Uma boa pergunta
Qual é a relação entre a dengue e as mudanças climáticas?
Análise por Marina Monteiro e Thais Filipi
Na edição anterior da BDLetter falamos sobre a epidemia de Dengue e seus números absolutos e proporcionais nas cidades onde parte da nossa equipe vive. Nesta edição, continuamos falando sobre a doença, mas avaliando qual a relação entre o número de casos e das variáveis meteorológicas de temperatura do ar e precipitação.
Essa investigação é interessante porque o ciclo de vida do Aedes Aegypti é intimamente impactado por variáveis meteorológicas. O mosquito passa a ter o vírus quando pica alguém infectado e se torna infectivo, podendo transmitir a doença para outras pessoas em outras picadas. Com altos níveis de precipitação aumenta-se a oferta de criadouros. Já com temperaturas altas, pode-se notar uma alteração no desenvolvimento, na longevidade e na fecundidade dos mosquitos adultos, que preferem temperaturas entre 22ºC e 28ºC. Um ciclo entre ovo e fase adulta que, geralmente, demora entre 7 a 10 dias, pode passar a acontecer entre 3 a 4 dias em temperaturas mais altas.
É de se esperar, então, que com maior precipitação e maior temperatura teríamos mais mosquitos e, com mais mosquitos, poderíamos espalhar ainda mais a doença. Será que o aumento na temperatura e na precipitação é acompanhado pelo aumento nos casos?
Para entender melhor esse cenário, analisamos as capitais do país observando as medidas de temperatura e precipitação tomadas por estações automáticas do INMET e com os registros de notificações de casos de dengue presentes no SINAN, todos estes dados disponíveis no datalake da Base dos Dados. Com os dados meteorológicos diários, foi possível calcularmos a temperatura média e o total de precipitação (mensais e semanais, por semana epidemiológica). Você pode conferir depois em detalhes os resultados em um dashboard interativo que criamos. O link está ao final da análise.
A dinâmica esperada para a distribuição de casos é: elevação no início do período quente com pico de casos depois de alguns meses de calor, coincidindo com algumas semanas após o período mais chuvoso. Os números mais baixos de casos devem estar em meses mais secos e frios.
Podemos notar que em Goiânia esse padrão é bastante preciso ao longo dos anos. Veja na imagem abaixo.
Para a capital de Goiás, os casos estão concentrados em algumas semanas dos picos de precipitação e temperatura. Quando essas duas variáveis começam a ter valores menores, notamos que o número de casos também cai.
Mas a mesma dinâmica não é tão evidente na cidade de Manaus, por exemplo.
Na capital amazonense, a relação com a precipitação ainda pode ser notada, ainda que não da mesma forma que o exemplo de Goiânia. Mas a relação com a temperatura já não parece ser tão direta. A explicação para este fenômeno pode estar no fato de que a variação de temperatura média está no intervalo de 26ºC a 32ºC, temperaturas já consideradas altas e sempre agradáveis para a proliferação do mosquito.
Outro exemplo desse fenômeno está na cidade de Aracaju. Diferentemente das outras capitais, que apresentam picos de casos entre Fevereiro e Abril, os picos de notificações em Aracaju acontecem bem no meio do ano, por volta de Junho e Julho, mesmo esse sendo o período mais “frio” da cidade. Mas, assim como acontece em Goiânia, esse período ainda tem temperaturas médias acima de 25ºC. Os máximos de notificações se alinham, então, aos máximos de precipitação.
O que diz a literatura?
Várias pesquisas relacionam estas variáveis meteorológicas com o número de casos notificados de dengue em diversas regiões. Por exemplo, uma pesquisa desenvolvida na Unicamp indica que o aumento de 1ºC na temperatura média pode ter como consequência um aumento de aproximadamente 20% - 30% nos casos de dengue na cidade de Campinas nos dois meses consecutivos. Outros estudos apontam para uma relação no aumento de casos locais quando há aumento na pluviosidade (como nas cidades de Belém e Ribeirão Preto).
Fatores climáticos também devem ser levados em consideração. Anos de El Niño, por exemplo, transportam as chuvas do norte e nordeste para a porção sudeste e sul do país, porção com cidades mais densas do ponto de vista populacional. Aliado a temperaturas mais elevadas, podemos ter anos com maior número de casos que em anos com La Niña(**), por exemplo.
Claro, não são apenas fatores como os citados que estão direta ou indiretamente relacionados aos casos de dengue. Urbanização, densidade demográfica, saneamento básico e outras características das cidades, como também políticas públicas de prevenção, devem ser considerados para avaliar o total de casos em uma localidade.
Mas, sem dúvidas, a temperatura e precipitação tem um grande papel no espalhamento da doença e nas epidemias. Com a tendência de aumento das temperaturas médias causada pelas mudanças climáticas poderemos ver essa doença se proliferando cada vez mais, e por lugares que antes sequer eram atingidos. Falamos sobre isso na entrevista deste mês!
Ah, preparamos um dashboard onde você pode investigar os dados da capital do seu estado (*). Avalie se há uma tendência de aumento nas temperaturas médias, se há alguma mudança significativa no padrão de chuvas. E aí, há relação entre essas variáveis e os casos vistos de dengue?
(*) Exceto Florianópolis. Não encontramos dados meteorológicos de estações automáticas para esta capital.
(**) em anos de La Niña as chuvas no norte e nordeste são intensificadas, o que pode levar a um aumento de casos nessas regiões. Mas por se tratar de regiões com menor densidade populacional o aumento não seria tão sensível ao olharmos para o número total de casos do país.
💬 Trocando dados
com Rafael Lopes
Pós-doutorando na Universidade de Yale
Para entender melhor a influência das mudanças climáticas na recente epidemia de dengue no Brasil, tivemos o prazer de conversar com o especialista Rafael Lopes, pós-doutorando na Universidade de Yale que pesquisa exatamente como variáveis climáticas influenciam o espalhamento de doenças.
Rafael se interessa principalmente em compreender sincronização, dinâmica do caos, teoria de sistemas dinâmicos e análise de séries temporais, tudo isso aplicado a dados ecológicos que possam esclarecer as questões urgentes do nosso tempo e as mudanças desta era que teremos que enfrentar. Na entrevista, falamos sobre os resultados de sua pesquisa e da influência de variáveis meteorológicas nos casos de dengue.
De acordo com a sua experiência, você identifica alguma variável meteorológica que influencie mais nas epidemias de dengue? A precipitação acumulada acima de um valor específico, por exemplo, pode ser indicativo de aumento significativo de casos?
Basicamente esse é o tema central da minha pesquisa, entender como variáveis climáticas influenciam o espalhamento de doenças mas mais especificamente aquelas que sabemos ter alguma sensibilidade ao clima, seja por causa da sua epidemiologia ou seja fatores inesperados até. A dengue é o exemplo típico mas doenças respiratórias como a influenza, a gripe comum, também tem sua sazonalidade ligada ao clima. No caso da dengue há uma grande variabilidade globalmente, mas também no Brasil e até a nível de bairros em cidades. As duas variáveis climáticas que mais ajudam na subida de casos da dengue são, como o esperado, a temperatura e a precipitação, mas ainda que isso seja esperado os mecanismos pelos quais isso acontece não são tão óbvios. A temperatura influencia desde o ciclo do mosquito como a severidade de um caso de dengue.
Em estudo recente (Ambient temperature and dengue hospitalization in Brazil: A 10-year period case time series analysis) você relaciona hospitalizações por dengue à temperatura, como se dá esta relação? Esse resultado poderia ser extrapolado para outros lugares? Como o poder público poderia utilizar essa informação para se preparar mais adequadamente durante epidemias?
Exato, neste estudo tentamos entender como a temperatura aumenta o risco de um caso de dengue se tornar grave e consequentemente necessitar de uma hospitalização. Veja, não é somente que com temperaturas mais altas temos mais casos e consequentemente mais hospitalizações, a temperatura torna a proporção entre casos sem complicações e casos com complicações que necessitam de hospitalização maior. Um surto de dengue de 100 casos, por exemplo, que ocorra numa cidade em que a temperatura média seja entre 15 e 20 graus Celsius, tem um risco relativo para hospitalização por dengue de 1,5 a 3,25 vezes mais do que a mesma epidemia de casos a 10 graus Celsius. Na mediana (23,96 graus Celsius) da distribuição de temperaturas observadas no Brasil esse risco é 4,62 vezes maior! A explicação para isso é que quando cursamos uma infecção por dengue em temperaturas mais altas, fatores como desidratação, conforto térmico se tornam mais importantes e contribuem mais para essa infecção se tornar mais grave e necessitar de hospitalização.
Nosso estudo foi feito para todos os municípios do país que registraram casos e hospitalizações por dengue entre 2010 - 2019. De modo geral, acho que a evidência é perfeitamente extrapolável para áreas em que a dengue é endêmica. Acho que a principal forma de se poder utilizar essa informação seria o poder público agir de modo local com campanhas de conscientização sobre sinais e sintomas da dengue em geral, mas também como se manter hidratado e em conforto térmico caso tenha contraído dengue. Claro, tudo isso aliado ao que já sabemos sobre prevenção da doença, desde uso de repelentes à se limpar possíveis criadouros. Acho que outro modo é o poder público se preparar para ondas de calor com dedicação de leitos ao possível aumento de casos de dengue que necessitam de hospitalização, tornar o sistema de saúde apto a detectar esses casos antes ou no momento que apresentarem sinais de alerta. Não é à toa que nos últimos anos, com as grandes epidemias que tivemos, também tivemos um número elevado de hospitalizações e óbitos como nunca antes visto. Num planeta mais quente teremos cada vez mais maiores epidemias de dengue e com maior proporção de casos graves.
Sobre esses estudos mencionados, quais são os dados mais importantes utilizados? (Dados in situ, remotos, reanálises). Qual a importância da o acesso público aos dados para a ciência e para a produção de resultados como podemos ver em suas pesquisas?
Basicamente utilizamos duas bases de dados, a base de dados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação, o famoso SINAN, para captar os casos de dengue em geral e a base do Sistema de Informação Hospitalares, para capturar a totalidade de casos de hospitalização por dengue. Além da base de variáveis climáticas do ERA5-Land, uma base de reanálises climáticas do serviço meteorológico europeu, o sistema Copernicus.
Bases de dados públicas são de extrema importância porque, primeiro, permitem acesso ao dado quase bruto anonimizado e de onde diversas análises e questões científicas podem ser pensadas e, num segundo modo, porque permitem reprodutibilidade da ciência feita. Toda a minha análise pode ser repetida sem mim, isso é crucial para a ciência porque abre novas formas de olhar um mesmo problema.
Existem diversas abordagens possíveis para estudar a distribuição de casos no tempo, como ecologia, entomologia, avaliando o ciclo de vida do mosquito, ou análises estatísticas dos dados e modelagem matemática. Qual tipo de abordagem você utiliza em suas pesquisas?
Bom, eu utilizo uma grande mistura de métodos, mas como sou físico de formação meus métodos, de modo geral, caem na caixa de análises estatísticas e modelagem matemática. Tento também utilizar meu entendimento de ecologia, em diversos níveis, para trazer maior interpretabilidade aos resultados que emergem das análises.
Quer conferir a entrevista na íntegra? Fique ligado(a) em nosso blog que publicaremos um artigo com a conversa completa com o Rafael.
💡 Para ficar ainda mais fácil
Em 2024 tivemos a pior epidemia de dengue na história do Brasil, mas como foi aí na sua cidade? Com a BD fica muito mais fácil conferir e analisar esses dados. Com a consulta abaixo, você pode adicionar o nome da sua cidade e conferir o número de notificações e óbitos por dengue. Explore os dados, crie suas análises e compartilhe os resultados para contribuir com a conscientização sobre a dengue. Você pode copiar a consulta SQL pelo nosso repositório de análises no GitHub.
📌 O que rolou esse mês
Como ter insights com dados públicos? | Estreiamos mais uma aula aberta em nosso canal do YouTube para te ajudar com suas análises. Desta vez, falamos sobre como utilizar dados e inficadores públicos para avaliar políticas públicas e encontrar padrões interessantes. Confira por aqui.
Espalhe a palavra da BD | Você já teve dificuldade para explicar o que é o datalake público da BD? Criamos um vídeo educativo para te ajudar a compartilhar essa maneira muito mais simples de acessar e analisar dados públicos. Confira e compartilhe por aqui.
📡No radar
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PL dos supersalários | O Fórum de Direito de Acesso à Informações Públicos divulgou recentemente um ofício à Presidência da República solicitando o veto à PL 4.015/2023 que ameaçam a transparência sobre a remuneração de membros do Judiciário e do Ministério Público. Entenda melhor por aqui.
Transparência em Contratações Públicas | O Ministério da Gestão e da Inovação publicou o Webnar "Transparência e Dados Abertos em Contratações Públicas" para apresenta novas ferramentas de transparência em contratações públicas e patrimônio. Confira por aqui.