Janeiro/Fevereiro de 2024 | Tempo de leitura: 9 min
hello, databaser!
A primeira edição da bdletter de 2024 chegou com tudo! Nesta edição você vai conferir uma análise inédita sobre as desigualdades na remuneração de brasileiras(os), uma entrevista exclusiva com quem é referência no tema e muitas dicas legais. Boa leitura!
📊 Uma boa pergunta
Como a disparidade salarial por gênero e raça evoluiu ao longo dos últimos anos?
Não é novidade que a desigualdade de gênero e raça reflete na empregabilidade e na remuneração dentro do mercado de trabalho no Brasil. Apesar da legislação que proíbe a disparidade salarial entre indivíduos desempenhando a mesma função, a realidade é que tais disparidades persistem. Recentemente, o Governo Federal tomou medidas para enfrentar esse desafio ao publicar uma portaria que regulamenta a Lei nº 14.611/2023. Essa lei cria mecanismos para equalizar salários entre homens e mulheres ocupando o mesmo cargo em empresas com pelo menos 100 funcionários.
Nesta edição, exploramos um pouco mais a fundo esse cenário, observando a disparidade salarial entre quatro grupos: homens brancos, mulheres brancas, homens negros e mulheres negras (segundo critérios do IBGE, a categoria das pessoas negras incluem aquelas declaradas como pretas e pardas). Para isso, analisamos os dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CAGED) e criamos recortes por esses grupos, estados e por diferentes atividades econômicas.
Antes de partir para análise, vale ressaltar que são muitos os conjuntos de dados que contém informações sobre remuneração e mercado de trabalho, como a Relação Anual de Informações Sociais (RAIS), a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD-C), o Censo Demográfico e outros. Optamos pelo CAGED principalmente por conta de sua periodicidade (mensal) e por se tratar de um registro administrativo obrigatório para todas empresas que contratam ou demitem funcionários com carteira assinada. Apesar de ser um conjunto muito rico para análises sobre o mercado de trabalho no Brasil, é importante lembrar que o CAGED não contempla informações de profissionais autônomos ou informais, categorias que representam uma parcela importante da população brasileira. Deixamos para você, databaser, explorar essas outras bases e enriquecer ainda mais esse importante debate. Todas elas já estão tratadas e disponíveis no datalake público da BD.
Ao analisarmos o salário médio por grupos, ficou evidente a vantagem que homens brancos mantêm em relação aos demais. Em 2023, o salário médio dos homens brancos foi de R$2.087, 25,6% maior do que o salário médio das mulheres negras, que foi de R$1.662. Uma forma de visualizar as diferenças é ver o salário médio de homens negros, mulheres negras e brancas enquanto porcentagem do salário médio de homens brancos, como você pode conferir no gráfico abaixo.
Quando olhamos para como esse cenário se dá nas diferentes regiões brasileiras, notamos uma alternância do salário médio de homens negros e mulheres brancas quando comparados com o rendimento médio de homens brancos, com excessão do Centro-Oeste e Sul, onde os homens negros possuem rendimentos médios melhores. Essa tendência parece menos evidente no Norte. O salário médio das mulheres negras chega a ultrapassar o patamar de 85% do rendimento de homens brancos em alguns meses no Nordeste, Norte e Sul. Já o Sudeste e o Centro-Oeste são similares na remuneração desse grupo, ambos abaixo de 80% na maioria dos meses (a média entre os anos das duas regiões foi de 78,7% e 79,3%, respectivamente). Veja em detalhes no gráfico abaixo.
Ao explorarmos as diferentes áreas de trabalho, percebemos que algumas apresentam desigualdades mais pronunciadas que outras. Uma dessas áreas é o setor de "Atividades Financeiras, de Seguros e Serviços Relacionados". Nesse ramo, os salários dos homens brancos são significativamente mais altos que os das mulheres negras, chegando a ser cerca de 25% a 30% maiores.
Em contraste, temos a área de "Organismos Internacionais e Outras Instituições Extraterritoriais", que abrange representantes de organizações internacionais com sede no Brasil. Em 2020, mulheres negras nesse setor recebiam, em média, 37,7% a mais do que homens brancos. No entanto, a partir de 2021, essa situação se inverteu, com mulheres negras recebendo cerca de 3% a menos em relação aos homens brancos em 2023.
É interessante notar que essas mudanças também se refletem nas atividades com maior volume de movimentações, como "Comércio, Reparação de Veículos Automotores e Motocicletas". Aqui, as mulheres negras ainda enfrentam uma diferença de salário de cerca de 20% em comparação com os homens brancos, apesar de uma pequena melhoria ao longo do tempo. Vale mencionar que, embora a atividade de "Organismos Internacionais" tenha apresentado desigualdades, ela é a que possui os salários médios mais altos entre todas as subseções do CNAE.
Por outro lado, a área de "Serviços Domésticos" é marcada por salários mais baixos, e a diferença persiste, com homens brancos recebendo cerca de 5% a mais do que homens negros e 13% a mais do que mulheres brancas e negras. Essa discrepância parece não seguir uma tendência clara de mudança ao longo dos anos.
Quando buscamos por possíveis tendências, vemos que pessoas brancas, especialmente homens, costumam se beneficiar mais quando a economia melhora, refletindo em ganhos salariais. No entanto, também são os primeiros a sentir perdas salariais quando a situação econômica piora, embora não o suficiente para se aproximar dos níveis de outros grupos. Por outro lado, pessoas negras, especialmente homens, têm enfrentado desafios para desfrutar dos ganhos em períodos econômicos positivos, mas, ao mesmo tempo, não experimentam tantas perdas durante períodos de desaceleração econômica. Isso ocorre em parte devido ao crescimento lento dos salários, que começaram em patamares muito baixos, geralmente abaixo da média salarial geral.
Que tal nos ajudar a enriquecer esse debate? Crie você também suas análises e não deixe de compartilhar conosco ou marcar @basedosdados nas redes sociais.
#FicaADica: Você pode aproveitar o código utilizado na análise dessa edição para aprimorar e criar novos recortes. Veja o código por aqui.
Diretora de Pesquisa e Projetos na Gênero e Número
No Trocando Dados desta edição, aproveitamos para nos aprofundar no tema da análise sobre a disparidade salarial por gênero e raça. Para essa conversa, chamamos uma convidada muito especial, de uma organização incrível e que é referência no assunto. Conversamos com a Natália Leão, Diretora de pesquisa e projetos na Gênero e Número, iniciativa independente de jornalismo, sobre desigualdades de gênero e raça e os desafios que o cenário de disponibilização de dados públicos no Brasil apresenta.
Natália é socióloga e doutora pelo Iesp-Uerj. Atualmente está como Diretora de pesquisa na Gênero e Número e, desde 2007, pesquisa temas referentes às desigualdades sociais, mais especificamente sobre as desigualdades raciais, de gênero e suas imbricações, com o uso de ferramentas estatísticas e análise de dados quantitativos.
Ao explorar os dados do CAGED de 2023 para a análise desta edição da BDletter, notamos uma notável discrepância no salário médio de brasileiros(as), especialmente entre homens brancos e outros grupos, como homens negros, mulheres brancas e mulheres negras. Por exemplo, o salário médio de homens brancos chega a ser superior a 25,6% ao de mulheres negras. Em sua visão, como você interpreta esses padrões salariais destacados e há aspectos específicos do contexto socioeconômico ou do mercado de trabalho que você considera contribuírem para essas disparidades?
Atualmente estamos vivendo um momento importante de mudanças culturais no que se refere ao modo de pensar do brasileiro, aos seus aspectos morais e de valores. Com isso temos conquistado muitos avanços no que tange às desigualdades de gênero e raça, e devemos sempre nos perguntar se essas desigualdades são permanentes ou se tivemos mudanças ao longo dos anos.
Quando olhamos para as discrepâncias salariais por gênero e raça, nossa tendência é inicialmente demarcar a permanência dessa desigualdade – que de fato existe. Contudo, ao analisarmos séries temporais, podemos notar que as mulheres, principalmente as brancas, tiveram enormes avanços tanto no montante salarial quanto ao acesso às ocupações que antes eram fechadas apenas aos homens. Sendo assim, queria primeiro destacar que estamos sim avançando, mas que há muito a se alterar ainda.
São muitos os aspectos sociais, de comportamento e pensamento, que contribuem para a discrepância salarial por gênero e raça, e que acabam sendo replicados dentro da lógica do mercado de trabalho. Muito anterior ao mercado de trabalho, a sociedade impõe padrões e características pré-estabelecidas do que seria o comportamento e atividades ideais para homens e mulheres. Além disso, algumas dessas características também são erroneamente atribuídas às pessoas negras – como agressividade, brutalidade e o pensamento mais mecânico – e outras às pessoas brancas – como a docilidade e o pensamento mais estratégico.
Ao adentrarmos no mercado de trabalho, podemos notar que muitos desses aspectos são ali replicados e ganham uma lógica própria, como a discriminação por parte do empregador, ao encaixar características pré-determinadas às pessoas de acordo com seu gênero ou raça/cor; a institucionalização dessa discriminação que faz com que se torne um padrão de comportamento dentro do mundo laboral já no processo de seleção de candidatos, encaixando cada perfil de vaga a características pré-estabelecidas a cada gênero e raça/cor. E também temos aqueles mecanismos culturais que nos são internalizados socialmente, como a “preferência” das mulheres por carreiras ligadas a ensino e a cuidado, mas que na verdade elas são socializadas desde a infância a esse tipo de “brincadeira”, que se torna trabalho.
Citei aqui apenas alguns dos aspectos que podem interferir nessas disparidades. Entendo assim que a melhor forma de buscarmos a igualdade salarial por gênero e raça é denunciando as discriminações sofridas, mostrando os dados e pressionando para a criação de leis e políticas públicas que visem sanar esse tipo de desigualdade.
A Gênero e Número tem desempenhado um papel crucial ao trazer visibilidade a dados que destacam desigualdades de gênero e raça. Qual a importância desse tipo de comunicação e como você percebe o papel dos dados na promoção de mudanças concretas em relação a essas desigualdades?
A comunicação que a Gênero e Número faz, proporcionando o diálogo social sobre as desigualdades de gênero e raça é fundamental para essa mudança cultural que citei acima, na qual estamos vivenciando. Trazer para a sociedade dados e argumentos que justifiquem a importância de mudanças sociais que buscam a equidade de gênero e raça e seus benefícios é de fundamental importância para conscientização e conhecimento de como podemos ajudar nessa mudança. Além disso, buscamos destacar dados relevantes e demonstrar as diferentes formas que o racismo e as desigualdades de gênero atingem as pessoas. Apenas a partir desse conhecimento como um todo, podemos tomar consciência para buscar a mudança no nosso dia a dia.
Em um cenário em que dados precisos são cruciais para a formulação de políticas públicas voltadas para a igualdade de gênero e raça, como você avalia o atual estado da disponibilização desses dados no Brasil? Quais são os principais desafios que você percebe nesse cenário?
Em 2018, já percebendo a precariedade dos dados brasileiros referentes à gênero – principalmente no que se refere a população LGBTQIA+, e a raça/cor, começamos a realizar pequenas pesquisas localizadas, assim como inúmeras parcerias com outros veículos e universidades em todo Brasil, para tentar captar informações que não conseguíamos dimensionar através dos dados públicos. Infelizmente o cenário pouco mudou, apesar de as discussões sobre a importância desses dados já estarem presente na pauta do atual governo federal. O principal desafio que percebo nesse cenário é o ainda precário financiamento das pesquisas censitárias e amostrais no Brasil. É necessário a inclusão de pesquisas mais abrangentes no escopo orçamentário da União para que possamos ter o real cenário das desigualdades de gênero e raça no Brasil e assim podemos planejar de forma ainda mais eficiente as políticas públicas em busca da equidade.
💡 Pra ficar ainda mais fácil
Os dados do Censo 2022 já estão na BD e temos uma dica de ouro para você nunca mais precisar caçar o nome das cidades usando o id_município do IBGE. Vamos lá?
Para fazer isso, vamos usar a base de Diretórios Brasileiros da BD. Ela funciona como um perfil completo de entidades como município, escola, UF, setores censitários e mais. Podemos utilizar o código da imagem abaixo para fazer um JOIN e selecionar tanto a tabela de area territorial e densidade demográfica do Censo 2022, quanto a tabela de municípios da base de Diretórios Brasileiros. Assim, podemos usar o comando WHERE para filtrar os resultados pela cidade da sua escolha. Copie o código pelo nosso repositório de análises no GitHub e explore esses dados você também!
📌 O que rolou esse mês
Censo 2022 | Como vimos na dica dessa edição, os dados da maior maior pesquisa estatística do Brasil já estão tratados e integrados ao maior datalake público do país. Porém, é importante ressaltar que as tabelas desse conjunto possuem estatísticas consolidadas, que variam de acordo com seu nível de observação. São dados extraídos do sistema SIDRA. do IBGE, e cada tabela possui no título o número da tabela no SIDRA para uma melhor identificação. Acesse por aqui.
State of Data Science |O maior e mais completo raio-x sobre profissionais de dados no Brasil chegou na BD! A pesquisa State of Data Science, organizada pela Data Hackers e a Bain & Company, compila dados sobre perfil demográfico, formação, atuação no setor, remuneração, rotatividade e satisfação no trabalho. Você já pode acessar os dados completos da edição de 2022 por aqui.
Comunidade open-source | Que tal trazer seu código para a BD? Criamos um espaço para que você possa compartilhar suas análises e códigos com a comunidade da BD no GitHub. Assim, outras pessoas podem comentar e contribuir com seu trabalho também. Acesse por aqui e compartilhe seus códigos.
📡No radar
Coda Amazônia | A próxima edição da Conferência Brasileira de Jornalismo de Dados e Métodos Digitais na Amazônia já tem data, local e inscrições abertas para atividades. Organizada pela Open Knowledge Brasil, a conferência vai acontecer nos dias 27 e 28 de junho, em Belém - PA. Inscreva sua atividade por aqui.
Open Data Day 2024| O Open Data Day (ODD) é uma celebração anual de dados abertos em todo o mundo. Grupos de praticamente todos os países organizam eventos locais no dia. Você pode registrar um evento ou conferir os que vão rolar perto de você por aqui. Tem vontade de agitar uma atividade com a BD para o ODD? Entre em contato conosco!
Transfobia em Dados | Janeiro foi o Mês daVisibilidade Trans e perguntamos a nossa comunidade sobre projetos e organizações que coletam e disponibilizam dados sobre pessoas trans no Brasil. Um dos projetos compartilhados conosco foi o transfobiaemdados.com, que mapeia dados sobre a violência cometida contra candidatas travestigêneres nas eleições 2022, principalmente nas redes sociais. Conhece outros projetos? Compartilhe conosco!
🌎 Databasers
Christhian Santana Cunha, cientista de dados geoespaciais e sócio na AmbGEO, utilizou os dados de Ocorrências do Fogo na Vegetação, já tratados no datalake públicoda BD, e o BigQuery GeoViz para localizar focos de queimadas no município de Agudo, no Rio Grande do Sul. Veja aqui que interessante e teste também essa poderosa ferramenta de visualização de dados geoespaciais.
Fez uma análise legal com os dados da BD? Não deixe de compartilhar conosco ou marcar @basedosdados para sua análise aparecer aqui também!